ENTREVISTA: Fabio Ribeiro (Remove Silence/Shaman)

Entrevistamos o conceituado tecladista Fábio Ribeiro (Remove Silence/Shaman), na entrevista ele comenta sobre sua carreira como músico, e a expectativa dos shows de retorno da formação original da banda Shaman. Confira.

Por Eduardo Carvalho.

Fabio, primeiramente, gostaria de agradecer pela disponibilidade em conceder esta entrevista ao PONTO ZERØ!

Não há como começarmos de outra forma, senão falando para os leitores e fãs de como está sendo essa volta tão aguardada junto ao SHAMAN! Depois de tantos anos separados, você pode nos contar como foi o processo de reintegração junto à banda? Quem entrou em contato contigo? Como está se sentindo em voltar a ensaiar com Andre, Luis, Hugo e Ricardo?

Para mim foi uma grande surpresa, algo que eu jamais esperaria que acontecesse. Meu grande amigo Luis Mariutti me ligou e disse: “O Shaman está voltando. Você vai fazer, né? Tem que ser com você.” A partir de então foram apenas algumas negociações com o empresário Rick Dallal, que é um cara super de boa, extremamente profissional, muito experiente e sem dúvidas um dos grandes responsáveis por fazer tudo isso acontecer.

Os ensaios estão rolando semanalmente e desde o primeiro a sensação não poderia ser melhor. É surpreendente como pessoas que tocaram juntas por tanto tempo conseguem se entrosar tão rapidamente, mesmo após estes anos todos. É a tal química musical, acho eu. Parece ser muito natural saber o que um ou outro está fazendo e as músicas soaram muito bem logo de cara, como se tivéssemos realizado o último show na semana anterior. O clima entre nós todos também está muito bom e acredito que tudo isso vai resultar em uma energia excelente para os shows.

Qual a expectativa para estes shows já agendados? Há possibilidade de rolar uma turnê, de fato, celebrando este retorno? Já chegaram a conversar a respeito dessa possível extensão dos shows, visto que a agenda está aumentando gradativamente?

Nós estamos tão surpresos com a receptividade e tão ansiosos com os shows quanto ficamos quando a banda surgiu. Os ingressos para o primeiro show esgotaram-se em poucos dias e abrimos uma data extra no dia seguinte. Isso já é um bom indício de que a coisa vai bem e de que a expectativa da galera é enorme. No início, era para ser somente um único show de reunião mesmo, hoje já temos shows agendados em diversas cidades do país e a tendência é a turnê se estender. Estamos procurando oferecer um espetáculo com o melhor nível de qualidade possível, como costumávamos fazer na época. Por isso, inicialmente estamos fazendo os shows nas capitais, em locais com boa estrutura. Claro, dependendo da demanda, isso pode se propagar mais ainda, chegando a lugares mais distantes e certamente abrindo a possibilidade de shows internacionais também.

Poderia nos adiantar qual equipamento que utilizará nos shows do SHAMAN? Foi complicado de retomar as músicas, recriar as programações e linhas de teclado utilizadas nas músicas?

De certa forma, sim, lembrar de tudo tão rápido, um repertório de 19 músicas complexas para a parte de teclados. A parte musical nem tanto, principalmente as músicas do primeiro álbum que foram reproduzidas milhares de vezes e estavam bem guardadas no fundo da memória. E como dizem os mais velhos: “Quem guarda, tem”. Eu conservei todas as partituras do Ritual que havia escrito na época e isso me ajudou bastante a tirar algumas dúvidas também. Já o Reason foi um pouco mais difícil de lembrar. Na época eu havia decidido me livrar da leitura de partituras nas fases iniciais de trabalhos deste tipo e não escrevi nada, decorei tudo logo de cara. Tive que abrir as sessões multi-track das músicas aqui no estúdio e tirar parte por parte de novo, apostando na memória. O engraçado é que, como eu modifico ligeiramente os arranjos para poderem ser reproduzidos ao vivo por um só tecladista, algumas coisas que eu relembrei através das pistas isoladas não eram exatamente o que eu fazia ao vivo naquela época. Após algumas passadas, minhas mãos muitas vezes foram automaticamente saindo do que eu estava tentando tocar e executando os arranjos que eu fazia, diferentes dos originais. Uma coisa de memória profunda, que de certa forma gera movimentos involuntários, haha! Eu me peguei tocando tal música e de repente as mãos estavam executando o arranjo adaptado dos shows daquela época. E eu: “Ah, era isso que eu fazia!”. Em um mês a técnica requerida voltou de boa e tudo está rolando redondinho.

Ressuscitar a parte tecnológica foi um trabalho mais árduo, bem mais complicado do que relembrar as partes musicais. O legal é que acabou apresentando um resultado melhor em sonoridade e praticidade, devido à evolução tecnológica que tivemos daquela época para cá. Na fase final do Shaman em 2006, eu estava usando um Korg Triton Extreme 76 e um Kawai K5000W para as partes de instrumentos acústicos e sons mais variados, além de um Nord Electro 2 para os sons de órgão Hammond e um Nord Lead 3 para os solos e melodias com sons sintetizados. Ainda tenho os Nords e o Kawai aqui, mas não mais o Triton Extreme. Usei dois destes na época da turnê dos álbuns Time To Be Free e Mentalize do Andre Matos, mas ambos já se foram. E eram realmente os grandes responsáveis pela maioria dos sons nos shows. Hoje sou patrocinado pela Korg e meu instrumento principal é o Kronos. Para os shows em São Paulo, vou usar um modelo de 88 teclas, o Kronos 2 Platinum. Para os demais, talvez eu prefira o meu bom e velho Kronos 61, para facilitar o transporte e a logística de palco. E este modelo apresenta teclas leves, diferentes das do Platinum 88 que tem teclado de piano e dificulta a execução de algumas partes mais encrencadas. Estou tocando bem estas partes no Platinum, mas não quero desgraçar as minhas mãos, haha! Como controlador para o Kronos e para alguns sons adicionais, incluí também o KingKorg, que é um sintetizador VA muito poderoso e versátil. Estes instrumentos dão conta de tudo com maestria, reduzindo a quantidade de teclados usados na época de quatro para dois, apenas um suporte e diversos cabos a menos. Algumas vezes, sinto falta de espaço de teclas para executar alguns arranjos com muitas variações de timbre, mas consegui adaptar algumas divisões de teclado malucas no Kronos e estou conseguindo administrar tudo. Realmente, este trampo de programação é o que me tomou mais tempo, principalmente com as músicas do Reason que, além de uma variedade maior de sons, incluem uma enormidade de partes dependentes de samples retirados das trilhas originais do disco, editados e distribuídos nas teclas para execução em tempo real. Assim como na época, não vamos usar Backing Tracks, é tudo na carne mesmo, então eu tenho que disparar tudo isso através das teclas, além das partes tocadas. Tive que adaptar todos os programas e combinações do Triton Extreme para o Kronos e, por sorte, pelo menos os samples e suas organizações nas teclas puderam ser lidos pelo Kronos a partir do backup antigo do Triton, não precisei refazer o trabalho a partir das trilhas originais. Mas os sons internos nos teclados tiveram que ser re-programados do zero de qualquer forma. Muitas músicas possuem dezenas de sons espalhados e empilhados nas teclas. Organizá-los e me acostumar com suas localizações diferentes em cada música foi meio chatinho. Mas é bem legal ver o trabalho concluído e o que estes recursos atuais me proporcionam em facilidade de execução e tranquilidade no palco. Um toque em um botão e já está tudo pronto para a música seguinte.

Qual a música que você mais gosta de tocar do SHAMAN? Há alguma música que mexe com você, deste repertório do SHAMAN, por alguma razão pessoal/particular?

Meu álbum preferido é o Reason, por sua sinceridade conceitual e musical, qualidade de produção e direcionamento mercadológico da banda. Acho que o Shaman estava no caminho exato quando foi lançado. Por isso são também as músicas que mais gosto de tocar. É um álbum mais “tecladístico” e menos “orquestral”. As músicas são mais gostosas de executar e os timbres são mais variados, indo de sonoridades vintage a aproximações modernas e ousadas para o estilo, principalmente na época. Estes são dois extremos que eu realmente adoro misturar, complementam-se muito bem e agradam ouvidos mais variados. Minhas favoritas são Turn Away, Reason, Innocence e Born To Be.

Com relação ao trabalho feito anteriormente com ANDRE MATOS SOLO, qual música te marcou nos álbuns em que fez parte (Time to Be Free e Mentalize)?

Endeavour, certamente. Uma composição que me tomou apenas cerca de uma hora e que eu hesitei em mostrar, por considerá-la simples demais. Eu jamais poderia imaginar que se tornaria um dos clássicos da banda, com toda aquela idéia executada nos encerramentos dos shows e a reação que causava no público na época. O teor de despedida causava bastante emoção e, ironicamente, esta foi a última música que executei com a banda. Gosto muito de A Lapse In Time também, tem um significado muito especial para mim e a essência de sua composição reflete os momentos extremamente conturbados que eu estava passando naquela época.

Sobre o REMOVE SILENCE, depois de ser nomeada ao Grammy pelo trabalho com o excelente debút, o álbum FADE (2010), lançou em 2012 o álbum Stupid Human Atrocity, dois EPs (Little Piece of Heaven, em 2013 e Irreversible, em 2015) e mais dois singles – RAW (2017) e Middle Of Nowhere (2018), é notório que a banda está atingindo um nível de maturidade considerável. Para uma banda tão ativa no mundo digital, com direito a curta-metragem (Bats in the Belfry, do disco Fade), como tem sido a repercussão e o retorno por parte dos fãs e da mídia a todo esse empenho e dedicado trabalho realizado até aqui?

A banda completou dez anos de atividade em 2017. Desde o início, tentamos apresentar um som com o maior nível de sinceridade possível, não respeitando rótulos ou direcionamentos de mercado. Fazemos apenas o que gostamos de fazer e tentamos produzir com a maior diversidade possível, procurando ainda manter um grau de identidade e consistência entre os trabalhos. Depois destes anos todos, isso é o que realmente acabou diferenciando e destacando a banda em um cenário tão vasto. É realmente muito gratificante notar que grande parte da mídia e do público aponta a banda como “inovadora”, “diferente”, “ousada”… É muito agradável também tomar conhecimento disso quando a essência de tudo é natural, completamente sem pretensões. Mais gostoso ainda é o fato de não recebermos críticas em um mercado tão competitivo e muitas vezes tão cruel. Estes são ótimos sinais de que estamos no caminho certo. A banda tem crescido muito nos últimos anos, realizando concertos para um público maior e mais variado. Passamos também a ser veiculados em grandes emissoras de rádio, que representam um enorme gancho para divulgação, mesmo nesta era de internet. Estamos crescendo naturalmente, fazendo o som que curtimos de verdade. Acredito que é exatamente isso que torna uma banda eterna para quem ouve seu trabalho, a sinceridade na música.

Quais são os próximos planos para a REMOVE SILENCE, após o lançamento do single Middle of Nowhere?

Pretendemos lançar mais um single em breve e finalmente o álbum Raw dentro dos próximos meses. O álbum está pronto já faz algum tempo, mas estamos segurando estrategicamente para o período pós-eleições, quando as pessoas possivelmente estarão menos focadas em política e mais abertas a outras atividades, como aproveitar mais a vida e ouvir um pouco mais de música. Estamos também realizando versões e remixes de algumas faixas do álbum para juntarem-se a material novo para um subseqüente EP.

No mês de julho, a REMOVE SILENCE foi banda de abertura da banda brasileira FRESNO. Pela importância do show, imagino que tenha sido muito gratificante receber este convite. Mas gostaria de saber como foi esta experiência de tocar para um público que, provavelmente, não estava acostumado ou tinha sido apresentado para o som da REMOVE SILENCE? Deu pra sentir a energia do público, mesmo sendo um tipo de som diferente do que a FRESNO faz?

Este parece ser outro ponto muito favorável no nosso som. Conseguimos agradar uma grande variedade de pessoas, não importando o estilo musical que curtem. Poucas semanas antes, participamos do festival Araraquara Rock com o Angra e a receptividade do público, em grande parte a galera mais fanática do metal, foi surpreendente, muito calorosa. Este show com o Fresno foi um dos mais legais que já fizemos, a reação do público foi a melhor possível. È uma galera que está lá pela música, não pelos músicos. Dançaram e cantaram o tempo todo, apresentando uma interação muito legal com a banda durante todo o show.

Consegue citar mais alguns shows marcantes que tenha feito parte em sua carreira?

Este com o Fresno foi um deles. Outros que não consigo esquecer foram alguns com o Shaman e com o Angra. A gravação do DVD RituAlive do Shaman no Credicard Hall em São Paulo foi fenomenal! O resultado de um trabalho gigantesco que foi gratificado a altura. Mais de oito mil pessoas, terceiro maior público da casa até então. E tudo correu tão bem, mesmo com a complexidade técnica da produção, vários convidados especiais, instrumentos adicionais, etc. Foi um verdadeiro milagre nada ter dado errado em um único show captado para o lançamento do primeiro trabalho ao vivo da banda, que até hoje é considerado o melhor DVD ao vivo de uma banda de metal brasileira. Outro que pegou forte foi a abertura para o Iron Maiden no Estádio do Pacaembú. Lotado e incrivelmente energético. Logo após este show, tive um problema de tendinite que me deixou de molho por dois meses. Entre os mais antigos, eu destacaria o Angra em Belfort, na França. Em 1999, eu havia acabado de voltar para a banda e ainda não estava cem por cento familiarizado com as músicas que eu não havia tocado antes. Ainda estava lendo algumas partituras. Tinha feito apenas um show uma semana antes, em Belo Horizonte, quando escrevi algumas já no camarim. A galera gritando “Angrrrra! Angrrrra!” e eu na escada para o palco tentando lembrar se tal timbre era para ser usado tal hora, se tais notas eram mesmo as corretas… Mas correu tudo bem e a sensação foi ótima!

Você considera que a REMOVE SILENCE seja a banda onde você consegue colocar uma carga criativa mais intensa, em relação aos teus outros projetos, já que não parecem se apegar a nenhum tipo de rótulo ou definição, fazendo apenas o som mais sincero possível, de acordo com o que a banda está afim de promover? Esta liberdade pode se traduzir no trabalho do projeto ANNUBIS também, por exemplo?

Com certeza, pois é exatamente esta a ideologia da banda. Trabalhamos nas composições, nos arranjos e na produção técnica com cem por cento de liberdade. Tudo isso é muito legal para mim, pois posso imprimir minha identidade como tecladista e sintesista sem qualquer receio. É muito divertido poder experimentar de tudo no estúdio e ao vivo, misturar sonoridades clássicas com aproximações modernas e usar instrumentos antigos e de vanguarda, sempre buscando a variedade para o som. Já no Annubis, a aproximação é um pouco diferente. Esta foi minha primeira banda, de 1984 a 1986. O som é Rock Progressivo tradicional, baseado em influências do que ouvíamos muito na época, bandas como Rush, ELP, King Crimson e Yes. Já fazia um bom tempo que vínhamos conversando e pensando neste retorno, para podermos ao menos gravar o trabalho. Na época, quase gravamos através da saudosa Lunário Perpétuo, que estava lançando o álbum Live! da banda Vulcano. Chegamos a trabalhar na pré-produção, mas a banda se separou antes que o trabalho fosse concluído. Cada um seguiu seu caminho. O baterista Jeff Carvalho trabalha com educação física. O guitarrista Silvio Pinheiro trabalha com computação gráfica. Mesmo assim, ambos não deixaram de fazer música. O baixista Fabio Zaganin, o grande incentivador da coisa toda, continua muito presente no cenário desde então, tocou e toca com um monte de gente. No ano passado, nos reunimos para uma confraternização e resolvemos iniciar o projeto para valer. Estamos gravando desde janeiro, aqui no meu estúdio, onde também foram feitos todos os trabalhos do REMOVE SILENCE. Resolvemos que tudo deveria ser feito de forma que o espírito da época fosse resgatado, algo como um presente para nós mesmos pelos tantos anos de amizade. Então, estamos reproduzindo as mesmas composições, preservando a essência da banda e sua sonoridade original o máximo possível. Estamos usando somente instrumentos e recursos de produção e gravação que oferecem sonoridades típicas da época. Para os teclados, por exemplo, não estou incluindo nenhum recurso surgido após os anos oitenta. Ou seja, a galera que curte os sons de teclados “vintage” pode esperar muita coisa de sintetizadores analógicos, órgãos eletromecânicos e transistorizados, pianos acústicos e elétricos, mellotron… Estou adorando fazer este trabalho, afinal estes são tipos de sons que constituem uma parte enorme da minha personalidade como tecladista. O álbum deve ser lançado no início de 2019.

Dos projetos que já fez parte, um dos que mais gosto, particularmente, é o MOTORGUTS.  O disco Seven (2012) é absolutamente fantástico! Existe alguma possibilidade de novos lançamentos da banda, mesmo com o distanciamento do vocalista Fabio Colombini, que se mudou pra fora do país? O que acha do MOTORGUTS?

Curto demais! Este é outro trabalho que foi realizado com uma liberdade artística enorme. Gosto muito da aproximação que eles propuseram no álbum, algo mais livre e audacioso dentro do estilo Heavy Metal. Gravamos aqui também, em pouco tempo. A produção foi muito tranqüila, todos são músicos excelentes e grandes amigos de longa data também. Pois é, a banda encontra-se em repouso, já que o Colombini teve a sorte de escapar desta roubada de país e todos os demais estão envolvidos em outros projetos no momento. Mas muito já se falou por aqui sobre uma continuidade do trabalho.

Sobre o teu trabalho como produtor, já que atua nesta área desde os anos 90, com produções de bandas, peças publicitárias, trilhas sonoras, locução, dublagem, entre outros: Hoje, no Brasil, o que você indica para alguém que queira seguir nesta carreira? Algum curso específico? Você mesmo já ministrou ou pensou em ministrar cursos voltados e direcionados para produção musical (pensando neste amplo campo de atuação que você já tem)?

No atual cenário do Brasil, o mais importante é ter certeza de que é isso realmente que você quer, principalmente se você deseja atuar em uma área artística, trabalhando com seriedade em uma banda ou projetos musicais autorais. As áreas de publicidade não requerem tanta apreensão, são criadoras de produtos para consumo comum e continuam funcionando. Já para quem deseja expressar-se com sinceridade e qualidade musical, as coisas mudaram muito de quinze anos apara cá, para um estado insuportavelmente pior. Não é preciso desenhar, todos sabemos o que foi feito propositalmente com a nossa cultura. É imperdoável tal grau de destruição em favor de um projeto de poder. Para quem trabalha com arte de verdade, realmente o caminho anda complicado. Se você tiver estômago para fazer a coisa mecanicamente segundo as tendências culturais atuais e estiver apenas em busca de dinheiro, a situação se abranda um pouco. Basta ser esperto, ter bons contatos e um nível técnico básico no estúdio. Musicalidade não importa muito. Talento muito menos. Um golpe de sorte aqui ou ali e você pode se dar bem. Ou não, pois sabemos que esta montanha russa chamada Brasil costuma nos mandar para cima após uma descida que gela um frio na barriga deste tamanho. Esperamos que sim, então a decisão é sua. Agora, caso queira fazer a coisa para valer, eu acho que a experiência é o melhor caminho. Além de procurar um bom profissional para ajudá-lo no início, através de cursos que fornecem conhecimento teórico e prático, procure experimentar ao máximo com o que você tem em mãos. Os recursos atuais permitem que qualquer pessoa possa se expressar com uma qualidade incrível usando um mínimo de equipamento. Eu atuo na área didática desde os anos noventa também, com cursos sobre produção musical e tecnologia, incluindo programação de sintetizadores e uso de demais dispositivos musicais. Quando um aluno novo chega, a resposta sobre a duração do curso é sempre a mesma: Você fica aqui até sentir-se seguro para prosseguir sozinho. A área é extensa, possui muitas ramificações, tudo pode se estender, mas nada é melhor do que partir para a ação desde o princípio.

Você ainda é consultor de tecnologia musical da KORG? Como tem sido este trabalho? Há muita dificuldade aqui no Brasil, culturalmente falando? Ou com a chegada da tecnologia (iPads, iPhones, apps, fones de alta qualidade e afins) este trabalho se intensificou com mais facilidade para um consultor como você?

Eu fui o primeiro consultor da Korg no Brasil, entre 1994 e 1996. Em seguida, trabalhei na mesma área para a Kawai até 2002 e para a Nord até 2006. Fui patrocinado por estas empresas também. Neste momento, sou um dos Artistas Korg no Brasil, que são músicos patrocinados pela marca. Esta pareceria já dura sete anos e é responsável por grande parte da liberdade de atuação que tenho no que faço no estúdio e no palco, por conta dos instrumentos surpreendentes que eles têm lançado ultimamente.

Na época, trabalhar nesta área já não era muito fácil. Infelizmente, boa parte da galera por aqui nunca pôde ter muito acesso a novas tecnologias no momento em que foram lançadas. Isso acontece até hoje. Além da falta de recursos financeiros, há sempre um atraso enorme de informação. Isso reflete na cultura e na capacidade de absorvermos novas tecnologias. Como conseqüência, temos sempre um menor grau de conhecimento atualizado em todas as áreas. Era realmente bem complicado tentar facilitar a venda de um produto que trabalhava com Síntese Aditiva Avançada para um público que em sua grande maioria só conhecia teclados interativos com acompanhamento automático ou sintetizadores PCM para reprodução de sons de piano, metais, orquestras ou acordeão, haha! Mas eu me divertia. Certa vez, levei o tal sintetizador aditivo para demonstração em uma igreja. Quando cheguei, o ensaio havia terminado e os músicos estavam ao lado palco. O tecladista me recebeu e ligamos o instrumento. Parte do trabalho era destacar as grandes novidades e a flexibilidade enorme que o sistema oferecia, então já fui explicando: “Olha, com este recurso, mais aquele e mais aquele outro você pode chegar a sonoridades nunca antes ouvidas!” E ele todo compenetrado, mostrando-se maravilhado com alguns sons, mas exibindo no fundo dos olhos um ar de total apreensão com tudo aquilo. Poucos momentos depois veio a previsível pergunta: “E os metais, onde estão?” Eu, na maior naturalidade possível, apontei para os músicos ao lado do palco, que empunhavam trombone, trompete e saxofone e disse: “Ali.”

Hoje em dia sinto uma leve melhora, devido a disponibilidade facilitada de dispositivos multifuncionais que são perfeitos também para fazer música, como iPads e iPhones. Embora não acessíveis para todos, infelizmente, ainda são mais baratos que equipamentos dedicados. E este universo cresceu muito de seis anos para cá. Ando usando tudo isso ao máximo aqui, pois esta tecnologia disponibiliza muitas coisas realmente inovadoras para fazer música. Novos sistemas de síntese, combinações inteligentes de sistemas existentes, praticidade, flexibilidade e todo o lance da tela multi-touch, que muitas vezes transforma o dispositivo em um instrumento musical completamente novo! Na verdade, neste momento estamos navegando entre dois extremos e estas duas tendências se misturam com uma tranquilidade incrível, para um resultado musical realmente muito interessante. Ao lado de dispositivos de vanguarda como os do sistema iOS, estamos vivenciando o verdadeiro e tão aguardado retorno dos sistemas analógicos. Inúmeras empresas voltaram a produzir novos sintetizadores inteiramente analógicos e muitos outros foram ressuscitados em versões especiais aprimoradas. Isto está afetando drasticamente a música mundial, assim como ocorreu quando estes instrumentos surgiram pela primeira vez. Ambos os extremos são sistemas muito intuitivos para quem quer aprender música e se aprofundar nos conceitos de criação de sons. Não houve até hoje época melhor para trabalharmos com isto.

Você costuma ir a shows das bandas que mais gosta de escutar? Bandas como Rammstein, que costumam ter um trabalho de palco performático incrível e tem um destaque importante para os teclados, por exemplo, te agradam? E, aproveitando, quais são as bandas que marcaram tua vida de espectador em shows?

Sim, sempre que possível. Assisti o Depeche Mode recentemente, uma banda que adoro e que tem uma grande influência sobre o som que faço hoje com o REMOVE SILENCE. Adoro a maneira como os teclados são empregados e o bom gosto das composições. Vi o Rammstein algumas vezes também, gosto demais do som e da postura deles. Extremamente profissionais em tudo que fazem, um som diferente e muito bem executado, videoclipes excepcionais e um show para ficar na memória, mesmo para quem não gosta do estilo. Acho que, como tecladista, um show que me marcou muito foi a primeira apresentação do ELP no Brasil, no início dos anos noventa. Ainda considero o saudoso Keith Emerson como o melhor tecladista de rock de todos os tempos. Saí do show pensando em vender tudo e abrir uma granja ou sei lá…

Atualmente, creio que você seja uma grande referência nacional nas teclas. Pensando não só no metal/rock/prog, quais outros tecladistas você acompanha ou admira? Músicos como Jordan Rudess tem um impacto sobre o teu estilo de tocar e compor?

Agradeço demais pelo reconhecimento! Um dos tecladistas que mais admiro e que não faz parte do universo Rock é Wendy Carlos, responsável por trabalhos icônicos para a história dos sintetizadores como Switched On Bach e a trilhas sonoras dos filmes A Laranja Mecânica e O Iluminado de Stanlek Kubrick, diretor que eu curto demais também. Por incrível que pareça, como sou conhecido por muitos como um tecladista de Heavy Metal, não tenho influência do Jordan no meu estilo. O cara é tecnicamente fantástico, no mesmo nível do Emerson, mas talvez porque somos de gerações próximas, eu não absorvi muito do trabalho dele. Lembro-me mais das coisas do Dream Theater com o Kevin Moore, que tem um bom gosto ímpar também, principalmente nos arranjos e timbres. Quando a banda surgiu, eu tinha vinte e poucos anos e as inovações sonoras que eles apresentaram inicialmente para o estilo foram uma surpresa para todo mundo.

Depois desta nomeação ao Grammy, já considerou a possibilidade de morar fora do Brasil, para seguir trabalhando como produtor, ampliar e aprimorar teus conhecimentos? Uma franquia do “The Brainless Brothers” talvez?

Eu penso em morar fora do Brasil desde sempre, haha! E este é o motivo principal mesmo, como estava dizendo anteriormente. Infelizmente, o Brasil é um país que, ao invés de tornar-se referência para o mundo com suas inúmeras qualidades, possui governantes que insistem em segurar as pessoas pelas pernas. Aqui, a prática atualmente é te fazer cair, ao invés de tentar subir. Nivelar as coisas por baixo é trivial, tudo para que sejamos iguais, todos inferiorizados e dependentes. Por sorte, o que faço não possui raízes, é um tipo de trabalho que pode ser feito em qualquer lugar, com poucos recursos materiais. Então, apostar em uma continuidade de carreira lá fora continua sendo uma enorme possibilidade. Os próximos meses serão decisivos para uma resolução deste porte.

Você já teve a oportunidade ou vontade de tocar com uma orquestra? O que pensaria sobre um disco de metal (o SHAMAN, por exemplo) contando com uma orquestra?

Tocamos com uma orquestra em Fortaleza, durante a turnê do álbum Mentalize, em 2009. Foi uma experiência muito legal sentir ao vivo a união do estilo com os músicos em seus instrumentos acústicos. Os álbuns do Shaman possuem seções de orquestra de verdade e instrumentos acústicos variados entre as camadas de teclados e demais dispositivos eletrônicos. A soma de tudo é o que faz o som soar daquela maneira, um trabalho composto. Seria legal ver o Shaman experimentando com isso em maior evidência, já faz parte do estilo da banda afinal. Mas eu gostaria de experimentar isto em um show ao vivo como fizemos. A integração é mais humana e a gravação de material em vídeo seria imprescindível.

Você ainda possui os manuscritos de partituras que o Andre Matos escreveu para teclado, se não me engano, desde a demo da Reaching Horizons?

Sim, foram escritas durante os primeiros ensaios. Tenho também as partituras que escrevi durante a turnê do álbum Fireworks e as que eu usava no início das turnês com o Shaman.

Pensando nas bandas que você mais gosta, quais são as músicas que você curte tocar ainda? Músicas de bandas como Pink Floyd e Deep Purple que possuem a característica do teclado em seus discos, talvez?

Eu participei de duas bandas de tributo no passado. Uma, chamada Desequilíbrios,  executava músicas do Marillion, como um trabalho paralelo ao autoral. A outra foi o Pink Floyd Cover, já quando eu estava no Angra e no Shaman. Em ambas, eu topei o trabalho exatamente por gostar dos teclados e por serem bandas de grande influência para mim na época. É sempre muito divertido tocar coisas que a gente gosta.

Para finalizar, poderia deixar uma mensagem aos fãs do teu trabalho, principalmente os fãs do SHAMAN e aos leitores do PONTO ZERØ, a respeito do que vem pela frente na tua carreira?

Agradeço demais a galera do Ponto ZerØ e a todos pelo reconhecimento por todos estes anos de dedicação à música. Aos fãs do Shaman, muito obrigado pelo esforço realizado para que a banda retornasse. Vocês são os grandes responsáveis por tornar isso realidade. Vem bastante coisa por aí com os shows do Shaman e o lançamento do novo álbum do REMOVE SILENCE, então provavelmente eu poderei agradecer vocês pessoalmente. Grande abraço a todos!

Mais uma vez, gostaria de parabeniza-lo pela volta do SHAMAN, pelo brilhante trabalho criativo com a REMOVE SILENCE e todos teus projetos, deixando desde já nosso abraço fraterno e desejo de que o sucesso sempre o acompanhe, Fabio!

Muito obrigado!

Eu que agradeço! Valeu! 🙂

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