Texto: Thiago Tavares
Fotos: Ricardo Matsukawa / Mercury Concerts
Na última sexta-feira, 13 de setembro, o Espaço Unimed, em São Paulo, foi o cenário de mais um capítulo histórico na carreira do Deep Purple, uma das bandas mais icônicas do rock mundial. Em sua 27ª apresentação no Brasil e 14ª passagem por São Paulo, o quinteto britânico mostrou que a idade pode ser apenas um número, entregando um espetáculo que transbordou energia, técnica e muita emoção. O público, que reuniu fãs de todas as idades, foi testemunha de uma performance memorável de Ian Gillan (voz, 79), Roger Glover (baixo, 78), Ian Paice (bateria, 76), Don Airey (teclados, 76) e Simon McBride (guitarra, 44), o mais novo integrante da banda.
Um show que desafia o tempo
Não é comum ver músicos na casa dos 70 e 80 anos se apresentando com a frequência e intensidade que o Deep Purple vem demonstrando nos últimos anos. Desde a retomada das turnês pós-pandemia, em 2022, a banda realizou mais de 140 shows, cruzando continentes e levando seu som para milhares de fãs ao redor do mundo. Apenas em 2024, foram mais de 45 apresentações, com a América do Sul sendo o mais recente destino dessa maratona de shows.
A “fome” por subir aos palcos parece ser o motor que mantém o Deep Purple vivo e ativo, mesmo com a saída do guitarrista Steve Morse, que precisou se afastar por questões pessoais. Simon McBride, que entrou como substituto temporário e acabou sendo efetivado, trouxe uma nova dinâmica para a banda, injetando vigor e modernidade sem perder o peso e a identidade que os fãs tanto amam.
A abertura e a potência de Simon McBride
O show começou com tudo, com a clássica “Highway Star” abrindo o setlist, seguida pela faixa “A Bit on the Side”, do novo álbum “=1”, lançado em julho. Logo de cara, Simon McBride demonstrou o porquê de sua escolha para substituir o lendário Steve Morse. O guitarrista norte-irlandês não só manteve a energia e o peso característicos da banda, como trouxe um toque de modernidade, com timbres precisos e um estilo que remete ao hard rock dos anos 80, misturado a elementos neoclássicos. Sua performance em solos, como o de “Lazy”, foi impecável, mostrando um domínio técnico impressionante, mas sempre com respeito à sonoridade clássica do Purple.
McBride não tem a mesma experimentação jazzística que Steve Morse trazia ao palco, mas seu estilo mais “pé no chão” combina perfeitamente com a atual fase da banda, que parece mais focada em relembrar suas raízes no hard rock e heavy metal. A introdução do solo de “Anya”, faixa de The Battle Rages On… (1993), arrancou aplausos e coros do público, que parecia encantado com a precisão de McBride.
A longevidade impressionante de Ian Paice
Aos 76 anos, Ian Paice é um verdadeiro fenômeno. O único integrante do Deep Purple a nunca ter deixado a banda desde sua fundação em 1968, Paice continua a ser o coração pulsante do grupo. Sua técnica na bateria permanece intacta, com precisão e vigor raros para alguém de sua idade. Seus solos foram um dos pontos altos da noite, especialmente na clássica “The Mule”, em que ele mostrou por que é considerado um dos melhores bateristas da história do rock.
Curiosamente, Paice deu uma amostra de que o tempo passa para todos ao transformar um dos surdos de seu kit em um porta-toalha improvisado — um toque de humor que só evidenciou sua simpatia com o público. Mesmo assim, sua batida poderosa e precisa, especialmente em faixas como “Space Truckin'” e “Into the Fire”, manteve o público em êxtase.
Roger Glover: o pilar discreto do Deep Purple
Embora menos exuberante em termos de presença de palco, Roger Glover desempenhou seu papel de forma impecável. O baixista, que tem sido o pilar rítmico da banda por décadas, mostrou por que é uma figura essencial no Deep Purple. Seu estilo é de uma elegância discreta, e ele raramente se destaca nos holofotes, mas sua presença é sentida em cada música. Na penúltima canção antes do bis, ele finalmente apareceu no telão, sendo ovacionado pela plateia, que reconheceu sua importância para a solidez da banda.
Seja nas passagens mais pesadas de “Smoke on the Water” ou nas nuances mais sutis de “When a Blind Man Cries”, Glover foi a espinha dorsal que permitiu a McBride e Airey se destacarem nos solos. Sua performance foi tranquila e sem esforço, o que só ressaltou sua experiência e técnica refinada.
Don Airey: maestria nos teclados e conexão com o público brasileiro
Don Airey, que está na banda desde 2002, mostrou mais uma vez por que é um dos melhores tecladistas do rock. Sua habilidade em criar texturas sonoras e atmosferas complexas foi demonstrada ao longo de todo o show, mas foi no solo que antecedeu “Uncommon Man” que ele realmente brilhou. Airey não apenas tocou o Hino Nacional Brasileiro, emocionando a plateia, como também explorou uma variedade de estilos, passando por momentos clássicos e até jazzísticos, mostrando seu profundo domínio do instrumento.
Seu entrosamento com McBride foi visível, e juntos, criaram momentos instrumentais que foram, sem dúvida, um dos pontos altos da noite. “Uncommon Man”, que habitualmente é dedicada ao saudoso Jon Lord, foi uma homenagem emocionante, onde Airey liderou com sua melodia e carisma.
Ian Gillan: adaptando-se ao tempo com inteligência e talento
Ian Gillan, a alma e voz do Deep Purple, entregou uma performance que foi ao mesmo tempo emocional e estrategicamente ajustada. Aos 79 anos, é natural que seu alcance vocal tenha mudado, mas Gillan mostrou uma habilidade incrível em adaptar os arranjos das canções para se adequar às suas capacidades atuais. Ele poupou os gritos mais estridentes em faixas como “Highway Star” e “Hard Lovin’ Man”, mas quando o momento exigiu, como nos gritos intensos de “Lazy” e na emocionante “When a Blind Man Cries”, ele entregou com maestria.
Gillan aproveitou os solos de McBride e Airey para respirar, saindo do palco em momentos estratégicos, mas sempre retornando com força total para continuar a comandar o público. Seu carisma permanece intacto, e seu nome foi ovacionado após o final de “Into the Fire”, um momento que o fez sorrir e agradecer ao público que o aclamava.
Um setlist equilibrado e emocionante
O repertório foi cuidadosamente escolhido para oferecer ao público um equilíbrio entre clássicos e faixas do novo álbum “=1”. A inclusão de quatro faixas novas — “A Bit on the Side”, “Lazy Sod”, “Portable Door” e “Bleeding Obvious” — foi um acerto, com as novas músicas se encaixando perfeitamente ao lado de hinos como “Smoke on the Water” e “Space Truckin’”. O público recebeu as novidades com entusiasmo, especialmente “Portable Door”, cujo riff reminiscente de “Pictures of Home” arrancou aplausos e até um “inacreditável” de Gillan.
A ausência de “Perfect Strangers”, hino de 1984, foi notada por alguns fãs, mas compreensível, dada a exigência vocal da faixa. No entanto, o set foi encerrado com chave de ouro com o bis de “Hush” e “Black Night”, que levaram o Espaço Unimed à loucura, coroando uma noite memorável.
O Deep Purple provou mais uma vez que ainda tem muito a oferecer, mesmo com décadas de estrada e seus membros enfrentando as limitações naturais da idade. A performance no Espaço Unimed foi uma aula de rock ao vivo, com uma banda que, apesar de tantas mudanças ao longo dos anos, mantém-se fiel à sua essência. Ver esses gigantes do rock em ação, especialmente com a renovada energia trazida por Simon McBride, é uma experiência que qualquer fã de música deveria vivenciar.
O futuro pode ser incerto, mas uma coisa é clara: o Deep Purple ainda está longe de pendurar as guitarras.
Em nome do Ponto Zero, agradecemos a a Catto Comunicação pela oportunidade em fazer a cobertura deste fantástico show.
DEEP PURPLE NO ESPAÇO UNIMED – 13 DE SETEMBRO DE 2024
Highway Star
A Bit on the Side
Hard Lovin’ Man
Into the Fire
Solo de guitarra
Uncommon Man
Lazy Sod
Solo de teclado
Lazy
When a Blind Man Cries
Portable Door
Anya
Solo de teclado
Bleeding Obvious
Space Truckin’
Smoke on the Water
Bis:
Green Onions (cover de Booker T. & the MG’s)
Hush (cover de Joe South)
Black Night
Comentários